Uma combinação de crise na gestão da saúde no território Yanomâmi e o aumento do garimpo ilegal nas terras indígenas levou à tragédia sanitária revelada nesta semana entre os povos dessa etnia, aponta especialistas.
Os cuidados com a saúde desses indígenas são feitos por meio de postos com infraestrutura razoável, mas o modelo depende de uma equipe qualificada que vá às aldeias. É nessas visitas que se observa o quadro de saúde das pessoas, vacina as crianças, dá remédio contra vermes, busca sintomas de malária, coleta sangue, coibindo, assim, situações mais complexas quando, então, é preciso remover o paciente aos hospitais da capital — considerando a dificuldade de transporte e grandes distâncias.
— Nos últimos anos, por incompetência ou má intenção, foram indicadas pessoas sem nenhuma experiencia em gestão de saúde pública e começou a haver uma precarização da infraestrutura, com redução da equipe de atendimento e consequente diminuição das visitas, e de medicamentos. Situações que eram tratáveis começam a passar a situações complexas, uma criança com uma gripe, vira pneumonia, sem remédios para tratar — explica o pesquisador do Instituto Socioambiental Estêvão Benfica Senra.
— As pistas de pouso foram tomadas por garimpeiros ou abandonadas, exigindo o deslocamento por helicóptero que é cinco vezes mais caro do que o avião. Não teve menos investimento, mas isso não significou melhoria na saúde, pelo contrário — explica.
Paralelamente, há o avanço do garimpo, que cresce desde 2016 e explodiu no último quadriênio. Ele cria lagoas de água parada que servem de criadouros de mosquito, provocando uma explosão dos casos de malária. Sem atendimento ou medicamento, os indígenas vão adoecendo e transmitindo entre si, numa curva exponencial típica de epidemia.
Além de contaminar a água com substâncias químicas, o garimpo provoca o assoreamento das águas, diminuindo sua qualidade. Assim, crescem também os casos de diarreia.
O pesquisador salienta que os ianomâmis são de recente contato e não têm a memória coletiva imunológica como a da maior parte da população das cidades. A circulação maior de pessoas de fora acaba provocando uma profusão de viroses que oferece risco para eles.
Com tantas questões de saúde, não há força de trabalho nas aldeias para manter as atividades de pesca, caça e cultivo das roças, enquanto, de acordo com o pesquisador, os jovens indígenas são aliciados por garimpeiros com armas, bebidas e até drogas.
— Ainda que o pai da família estivesse trabalhando, se a criança tem malária, duas, três vezes ao ano mais Covid fica muito complicado. A quantidade de crianças que morre por doenças evitáveis é uma coisa absurda, impossível de se ver em outros lugares do mundo — afirma Estêvão Benfica Senra.
O Ministério da Saúde disponibilizou neste domingo um formulário de inscrições para que profissionais de saúde se apresentem para trabalhar voluntariamente no território e estuda acelerar um edital do Programa Mais Médicos para recrutar mais pessoal.
O cadastro é para a Força Nacional do SUS, composta por médicos, enfermeiros e nutricionistas que atuarão de acordo com suas especialidades.
De acordo com Nésio Fernandes, secretário de Atenção Primária à Saúde, o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami é um dos que mais carece de profissionais entre os territórios, com apenas 5% das vagas ocupadas.
— Tínhamos um edital só para brasileiros. Só em seguida que faríamos um edital para brasileiros formados no exterior e, depois, para estrangeiros. Frente à necessidade de levarmos assistência à população dos distritos indígenas, especialmente aos ianomâmis, queremos fazer um edital em que todos se inscrevam de uma única vez — explica Fernandes.
Nesta sexta-feira, o Ministério da Saúde decretou emergência em saúde pública em decorrência da desassistência do povo ianomâmi.
As imagens de indígenas desnutridos vêm circulando nas redes e têm chocado o país. Uma das fotos mostra uma senhora extremamente magra sobre uma balança, mas ontem a Urihi (Associação Yanomami) publicou nota informando que a indígena morreu em virtude de seu avançado estado de desnutrição e pediu que a imagem não circule mais:
“Entendemos a importância de levar ao mundo a situação drástica, mas por questões culturais a sua imagem não poderá mais ser divulgada. Na cultura Yanomami, após o falecimento, não pronunciamos o nome da pessoa, queimamos todos os seus pertences.”
Senra explica que os ianomâmis são conhecidos por não gostar de fotos, mas que as lideranças indígenas decidiram compartilhar as imagens para “expor a situação dramática”.
— É desesperador. Houve uma má gestão genocida do distrito, com o avanço do garimpo, falta de equipe de saúde, postos de saúde fechados, diminuição de visitas às malocas e desabastecimento de remédios. Mesmo vermífugos, que são medicamentos básicos, estão em falta. As crianças expelem vermes pela boca e teve uma que morreu asfixiada por causa do tamanho da lombriga — relata o pesquisador, que fica baseado em Roraima.
Hugo Oliveira Maisgoiás